3.4.06

os novos adivinhos

Estava eu ontem descansadinha na minha sessão de esvaziamento cerebral, qual vício privado novelesco, pela Fox e Fox Life, quando algo me fez pensar (e não era esse de todo o objectivo). Dilemas irresolúveis aqueles. Na série Grey's Anathomy, uma daquelas passadas em hospitais, surge uma amiga de uma médica a pedir que lhe retirem os ovários (acho que também o útero) e os seios. Bem... o problema é que foi ela que pediu, não estava doente, mas... poderia vir a estar! Caraças! Tinha uns 40 anos, não era mãe, mas gostava de ser, etc. Ainda não me tinha ocorrido tal situação, pelo menos não de forma tão radical. A sua mãe e tia tinham morrido com cancro de mama e do ovário. Ela tinha o gene - afirmou - tinha feito testes... probabilidade de adoecer (e provavelmente morrer): 85%. Pensava eu que todos teríamos 100% de probabilidade de morrer!

14 comentários:

Anónimo disse...

Ainda não é possível retirar todos os orgãos? Ou uma deliciosa e segura vida congelado aguardando a retoma do país?

tiago m disse...

caso inspirado num caso real; aliás, a verdade era ainda mais dramática

uma mulher, cuja, mãe, avó e irmã tinham tido cancro da mama, resolve tirar as mamas. No dia da operação, uma investigadora da UCSF descobriu que os genes responsáveis (BRAC1 e BRAC2) e que ela NÃO tinha as ditas mutações…

S Guadalupe disse...

Ai! Nem quero imaginar. O nível de desespero deve ser atroz. Ainda assim, há uma total inversão de valores. A genética permite um mundo que ainda nos é estranho. A prevenção sempre foi uma aposta, mas será esta uma das formas?

Sofia Melo disse...

A prevenção é crucial, mas de facto pode levar a alarmismos exacerbados, e isso, evidentemente, retira qualidade de vida às pessoas, por antecipação. De qualquer modo, a ciência continuará a avançar, acredito, para que, cada vez mais e melhor, se consiga manter o meio termo entre a necessidade de rastrear (e prevenir) e o o alarmismo face às doenças. (por falar nisso, ouviram a notícia de que em Portugal se fazem muito poucos rastreios?? aposto que não é pelo alarmismo que podem causar...)

tiago m disse...

tema fascinante e eticamente muito denso; doença de Huntington é completamente genética, sequencia-se o genoma, conta-se o número de repetições existentes (tudo relativamente fácil) e sabe-se se há doença, qual a gravidade e em que idade vai atacar. Certinho, sem dúvidas, sem excepçóes. Sem cura ou paliativos.

Alguém com uma história familar de Huntington pode fazer o teste e ficar a saber. Sem que na prática a sua saúde possa ser alterada. E vale a pena saber? E consegue-se não ficar a saber?

S Guadalupe disse...

A questão é essa: o que fazer com a informação. Decisão com base em probabilidades. Muitas mulheres experimentam tal paradoxo com a vulgar amniocentese.

Anónimo disse...

Já tinha visto o teu post e já tinha ensaiado alguns comentários.
Hoje fui fazer uma ecografia mamária, depois de ter tido uma dor na mama, há uns tempos...
Há cancro da mama na minha família. Nada de muito complicado, mas é chato.
Apesar do dilema que a informação pode causar, parece-me melhor ter a oportunidade de tê-lo e de ser eu a geri-lo, do que arcar com as consequências de, deliberadamente, não ter sabido.

S Guadalupe disse...

Maria, eu própria já tive um susto e todas as mulheres poderão tê-lo. Mas a questão não é simplesmente saber, é o que fazer com o facto de saber. Uma coisa é encontrar algo suspeito e a angústia da confirmação para o bem ou para o mal. Neste caso, há que agir, sem dúvida e o quanto antes! Outra é teres confirmado que não se passa nada e assumires que, com uma % de risco, queres eliminar preventivamente a fonte do que pode vir a causar problemas. Não julgo nenhuma decisão, mas assustou-me pensar assim...

Anónimo disse...

pois isso é muito drástico, é muito racional, é preciso uma frieza...
não é para qualquer um(a)

S Guadalupe disse...

concordo em absoluto, pois sou uma medricas de primeira apanha!

tiago m disse...

no caso do gene da mama as probabilidades são friamente assustadores; com a mutação no BRAC1 ou BRAC2 a percentagem aumenta muitíssimo, com mutações nos dois simultaneamente aumenta ainda muito mais; nesse caso a decisão baseada na estatística pode ajudar (e ajudou no caso real em que a senhora resolveu NÃO tirar a mama porque de facto não tinha as ditas mutações)

mais difícil é querer saber quando esse conhecimento não traz mais que conhecimento, onde não há qualquer cura para o problema mas há um diagnóstico 100% certo; é o caso da Huntington: Fica-se a saber se há doença, a que idade vai começar, mas não se pode fazer nada

faziam o teste ou não? é um caso em que a ignorância traz a felicidade, ou após saber-se o teste perde-se a inocência e o possibilidade de se ser ignorante (mesmo que não se faça o teste?)

Sofia Melo disse...

Sabendo que não havia cura nem meio de evitar a doença, não fazia teste. Não é uma questão de felicidade, mas de qualidade de vida, sem sofrer o síndrome dos "últimos dias", por antecipação. As pessoas que conheci que sabiam a sua "data certa" para morrer, foram morrendo muito antes da hora...

S Guadalupe disse...

Tiago, não podem as pessoas, pelo menos, ser acompanhadas e eventualmente serem parte integrante de experiências que poderão salvar outros? Não sei! Tenho assistido a coisas muito perversas quando se fazem diagnósticos com prognóstico fatal e a família mantém o segredo perante o doente. As distorções da comunicação são tão intensas e o doente, que sabe de algum modo, não quer provocar dor em quem pensa que ele não sabe. Tabu que não permite, já numa fase terminal, o doente despedir-se e quebrar o silêncio! Por lealdade. A vida é uma coisa tão complicada!

tiago m disse...

no caso contreto da Huntington é tudo preto e branco, não há nenhum cinzento. Mas noutros casos não será assim.

Quanto ao doente não saber, eu sou muito radical quanto a isso, acho que ao médico compete dizer, sem qualquer dúvida o doente e só ele. O resto já tem que ser com cada um, e a vida é mesmo uma coisa muito complicada…