6.2.07

farto

tenho estado, para além de conversas ocasionais, deliberadamente fora da discussão e da argumentação, em relação ao referendo ao aborto.
e porquê? porque tenho para mim que esta é uma questão tão simples e tão básica, que estou pouco disponível para a ajudar a complicar, tarefa aliás, que os defensores do não executam com superior mestria.
penso que se trata tão simplesmente de uma questão civilizacional e de saúde pública, que deve ser resolvida agora, com a vergonha de pelo menos 30 anos de atraso. voto sim, porque também acho que o sim e o não, não são equidistantes. ou seja, votar sim, não obriga ninguém a abortar. votar não implica, para além da manutenção dos status quo do aborto clandestino, a assunção por todos, de uma visão conservadora, ortodoxa e anacrónica da sociedade.
mas é impossível estar sossegado e esquecer o direito e dever de indignação, sobretudo quando recebo em casa panfletos de fetos ensanguentados vindos desta malta ou com a senhora de fátima a chorar, endereçados por estes fanáticos. aliás neste último não resisto a partilhar uns excertos, verdadeiras pérolas:
"É um facto indisputável que a protecção especial de Deus se reflectiu na transformação miraculosa - religiosa, moral e económica - de Portugal que se seguiu à consagração do nosso País ao Imaculado coração de maria, feita pelos bispos portugueses em 1931 e 1938. de facto, será que Portugal já viu melhores dias que os que se seguiram à quela notável consagração?"
"Os católicos não podem aceitar a ideia absurda e vil, de que um povo pode ser católico sem que a sua Nação o seja também"
"nenhuma Nação pode admitir este pecado (o aborto), este crime, na sua legislação - muito menos Portugal, a terra em que a própria mãe de Deus apareceu para avisar todo o mundo sobre as consequências do pecado"
"Poderá algum católico duvidar que Portugal seria amaldiçoado se seguisse o exemplo de todas as outras Nações que desencadearam a maré sangrenta do aborto a pedido?"
"Nenhum católico digno desse nome pode argumentar que uma mulher seja "ajudada" pela "escolha" do aborto. Isto é um argumento do Diabo, que é o Pai das Mentiras"
"Se nós, Povo católico de Portugal, déssemos outra resposta que não fosse o NÃO à pergunta que nos vai ser feita em 11 de fevereiro, a nossa Nação ofenderia a Deus e seria castigada por essa ofensa".
estou farto. e estou realmente aborrecido que estes panfletos me entrem pelo correio dentro como se de coisas válidas se tratassem, e que supostamente me viessem, pela evidência dos argumentos poder modificar a minha maneira de ver a vida tal como a vejo. o que me inquieta é que estes panfletos têm caras e nomes, as quais, muitas vezes ocupam lugares importantes ou de grande visibilidade na nossa sociedade, veja-se o caso de joão césar das neves, de bagão félix, de fernando santos, de mota amaral, manuel antunes e tantos outros que assim pensam mas não têm coragem de o admitir.
portugal tem no domingo, um teste básico mas fundamental. todos devemos contribuir para que se possa aferir do estado da nossa sociedade e a igreja tem também o direito de participar, de sair da sacristia, não tem é o direito de querer transformar o país numa.
termino referindo uma frase do referido panfleto: "Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé" e reconheço esta, como uma verdade incontornável, e como a base de muitas resistências ao avanço do País, que as vai ultrapassando a custo, passo a passo, da inquisição ao divórcio, do laicismo do estado ao aborto e contracepção e futuramente à eutanásia.
eu acredito numa sociedade solidària e fraterna, assente na liberdade e igualdade entre cidadãos. responsável, laica e progressista. tolerante e sobretudo pragmática. domingo votarei segundo esses princípios.

13 comentários:

Anónimo disse...

tenho a minha fé mas fico revoltada com a ignorância e as atrocidades que me chegam todos os dias aos ouvidos e caixa de correio !!!

não me parece que haja esperança para este país onde se continua a deixar na mão de deus nosso senhor e na virgem maria ali de fátima a sorte dos portugueses , já que não conseguem ser responsáveis pelos seus actos.

"nunca um perneta treinou atletas para a maratona , nem um mudo deu aulas de dicção.
só os padres é que não prescindem de dar conselhos sobre a reprodução e a sexualidade..."

Alguém me enviou isto e acho que está tudo dito.

S Guadalupe disse...

eu cá já estou farta desde o primeiro minuto e faço de tudo para fugir ao tema...

qual questão de consciência qual quê?! é uma questão de saúde reprodutiva. é uma questão de saúde. E deveria ter sido votada em sede própria. Basta!

Gostaria de saber qual a votação dos portugueses em referendo perante a pena de morte... esta é uma questão penal? é uma questão de quê? também é uma questão de consciência?

Haja saúde e humanidade.
E políticos que o saibam ser...

Defendo uma democracia participativa, mas às vezes apetece escolher quem tem direito a ser cidadão, tal como o era na grécia. E isso assusta-me...

Só resulta com maturidade democrática de um povo... para tal, as pessoas têm que ter formação e capacidade de reflexão. Neste caso, quem a tem, argumenta... e quem não tem... vai atrás.

é triste. farta fartinha

Anónimo disse...

Sim, porque sim, foda-se... Conhecem alguém que tenha feito um aborto??? Eu sim... E porque o fizeram? Porque tinha que ser... foi díficil, doeu, nunca mais o esqueceram, ainda hoje choram e acordam de noite... E no dia 12 tomariam a mesma decisão independentemente do resultado do referendo. Quem aborta, aborta seja proibido, liberalizado, penalizado ou até... um pecado. A decisão não é fácil mas é irreversível. Daí que... concordo que quem o queira fazer possa fazê-lo nas melhores condições possíveis e acompanhado por profissionais de saúde competentes e habilitados. É isso que está em cima da mesa, e é sobre isso que temos que nos pronunciar. Daí que: sim, porque sim, foda-se...

Anónimo disse...

Este referendo não é mais do que uma disputa politico-partidária de baixo nível.
Independentemente da minha opinião pessoal acerca do assunto acho que é um problema intrínseco da sociedade portuguesa que até hoje ainda não ouvi discutido.
Compete ou não ao Estado promover o planeamento familiar e a educação sexual junto de toda a sociedade portuguesa?
Antes de se partir para o referendo, e gastar milhões de euros, deveria sim criar programas e planos de apoio à sociedade, para que desta forma se resolvessem problemas profundos que todos os dias se agravam!

Carlos

Anónimo disse...

Caro Carlos anónimo...

Uma questão se coloca: és a favor ou contra a despenalização da IVG. É que não se percebe bem para que lado pende a tua opinião ao ler o que escreves.

Não sei se compete ao estado fazer o planeamento familiar, mas penso que assim deve acontecer. O mesmo penso para a educação sexual, se bem que para essa tenho por certo que actualmente se demite de o fazer (a toda a linha). Para mais, irrita-me solenemente a preocupação que demonstras (no que és acompanhado por muitos concidadãos) com o gasto de "milhões de euros", que deviam ser aproveitados para resolver problemas profundos que se agravam, mas que afinal são gastos para consultar a população acerca de matérias que lhe dizem respeito. Talvez preferisses que se gastassem milhões de euros a nomear uma comissão para estudar esta problemática, para depois concluir sobre o assunto, assim à semelhança do que fez agora o Ministério da Saúde com as urgências hospitalares. Enfim mais um exemplo de grande evolução da nossa democracia.

Tem calma, vai votar no Domingo, que é o dever de todos os cidadãos, e aproveita esse dia para reflectir acerca do que fez o Estado onde te inseres pelo teu futuro e pelo teu presente.

Anónimo disse...

Achas mesmo que este referendo é necessário?
Se calhar estão a usá-lo para desviar as atenções dos reais problemas do nosso país!!!
Quanto à questão do meu sentido de voto é sim e não e por isso não vou votar.
Sou contra a liberalização do aborto por uma questão de princípios e filosofia de vida...sim trata-se de liberalizar o aborto.
E também sou contra que se criminalize as mulheres que o façam.
Voltando ao cerne da questão, o problema está a montante do aborto, e não é desta forma (referendo) mais fácil que se resolve.
É mais uma vez o Estado a querer fugir às suas responsabilidades, seguindo pelo caminho mais fácil...as pessoas que decidam com base numa questão que para muitos, ou quase todos, está mal feita.
A pergunta deveria ser outra: É a favor da liberalização do aborto e da criação de clinicas privadas para o efeito, ficando assim o Estado livre de qualquer responsabilidade?
Respeito todas as opiniões, até aquelas fundamentalistas (esquerda e direita)mas não posso deixar de lado os meus principios e conduta de vida.

carlos

S Guadalupe disse...

caro anónimo, vai uma enorme confusão de conceitos nessa cabeça. Neste momento reina a selvajaria e a humilhação, da qual se safa quem tem possibilidade e inteligência de rumar ao país ao lado, nesta europa sem fronteiras.

Todas as pessoas que pensam com humanidade são, por princípio, contra qualquer tipo de prática de aborto. Mas os princípios não existem per si. As pessoas existem em contextos e vivem circunstâncias que ninguém pode julgar no lugar delas. As decisões são difíceis, mas tomam-se. E algumas mulheres têm tomado, pelos mais diversos motivos, decisõers de manter ou interromper a gravidez.

Como viver com um filho não desejado? Como viver a gravidez que não se deseja? Gostaria que lhe dissessem que foi um filho não desejado... é que alguns permanecem não desejados!...

Anónimo disse...

De facto é díficil de exprimir a opinião quando o receptor é demasiado egocêntrico.
A minha ideia é simples e objectiva: antes de estarmos a referendar o aborto deviamos aplicar políticas concretas de planeamento familiar e de educação sexual.
Resolver o problema antes de ele existir...prevenção...precaução...
Para além de que uma questão ética não deverá ser referendada!
Quanto à intenção de votar...vou votar...mas e, branco

carlos

S Guadalupe disse...

Obrigada pela parte que me toca!

Digo-te mais, se optas pelo anonimato, eu não o faço. Sou assistente social e posso dizer-te que a realidade é bem mais complexa do que SIM, NÃO ou BRANCO!

Tenho o meu ego, mas não rodo à volta do meu umbigo, apesar dele ser até bem giro;) Os outros e outras dizem-em muito.

É uma questão de responsabilidade.

Anónimo disse...

s guadalupe deixas-me conhecer, brincar, beijar e lamber o teu bonito e formoso umbigo???

S Guadalupe disse...

agora tenho a certeza que, intelectualmente, estás a milhas de chegar perto seja de quem for. Descansa a lingua!

PanKreas disse...

Se tens reparado eu assino com "carlos", e o post anterior não está assinado por mim.
Finalmente estamos de acordo quanto à profundidade e gravidade do problema.

carlos

S Guadalupe disse...

É bom saber que te demarcas. Bem me parecia que os teus argumentos denunciavam uma maior interacção entre neurónios, independentemente das discordâncias que daí resultam.